
Ao contrário do Fusca, que nasceu como instrumento político do regime nazista, a Kombi (abreviatura de
Kombinationfahrzeug, ou veículo combinado) surgiu no pós-guerra, quando a prioridade na Europa em reconstrução eram veículos de trabalho ou de uso misto. Entretanto, tal como o Sedan que lhe deu origem, seu nascimento também teve lances curiosos, podendo ser creditado ao negociante que intermediou as primeiras exportações oficiais da Volkswagen, o holandês Ben Pon. Diz a história que, durante uma visita ao complexo de Wolfsburg, Pon teria se entusiasmado com um veículo de carga, tipo plataforma, de uso interno da fábrica, que usava chassis e mecânica do Fusca, e convenceu a diretoria da VW, ainda sob comando do Major inglês Ivan Hirst, do enorme potencial desse tipo de carro no crescente mercado alemão. Foi um grande sucesso, tendo a pouca potência e a dificuldade de acesso pela traseira sido amplamente compensadas pela robustez do projeto e pelas portas laterais, que faziam da
van um verdadeiro salão sobre rodas medindo

apenas 16 cm a mais do que o Fusca. O chassi era monobloco. Lançada em 1949, ela chegou a Brasil já no ano seguinte e teve a produção nacionalizada em 1957. Como na Alemanha do pós-guerra, o Brasil tinha enorme carência de veículos utilitários e o sucesso da Kombi por aqui não se fez esperar, tanto que, além das versões de passageiros (Standard e Luxo), furgão e pick-up, houve também o modelo com
seis portas independentes, exclusividade nacional. Durante sua trajetória, foram poucas as evoluções, como a frente remodelada em 1976, o modelo a
Diesel de 1981, um teto mais alto e a abolição da parede que separava o banco dianteiro do resto da cabine em 1997, injeção eletrônica em 1998 e o motor refrigerado a água em 2006. Uma lenda que cerca a Kombi nacional é a de que, quando Herbert Demel assumiu a missão de modernizar a VWB em 1998, uma de suas primeiras decisões teria sido tirá-la de linha, mas que o executivo alemão teria desistido da idéia após ter sido levado ao Ceasa de São Paulo...

O modelo da avaliação de hoje é um Standard 1974 da coleção do Emerson Montalvão, que conta com apenas 100 mil km rodados e traz o raro diferencial autoblocante opcional (reparem nos pneus de uso misto na traseira). Perfeitamente conservada, inclusive com pintura de fábrica, ela pertenceu ao seu primeiro dono até o ano passado, um engenheiro francês que a tranformou em motor-home e a usava para conhecer o litoral brasileiro. Fogão, pia com bomba d'água, geladeira, cama de casal e uma infinidade de armários e gavetas atestam a versatilidade do projeto da Kombi, que manteve a aparência externa inalterada nesta unidade. Ao volante, a sensação de estranheza dos primeiros metros ao comando do utilitário é logo substituída por pura diversão para quem sabe respeitar os limites dessa velha senhora que, mesmo com motor 1500, demora bastante a embalar e pede trabalho do câmbio nas subidas; seu molejo não tem paralelo nos veículos de passeio, já que o motorista vai sentado sobre o eixo dianteiro. No modelo em questão, dado o estado ímpar de conservação, a sensação é mesmo a de ter voltado no tempo, à época em que o domínio da VW no mercado brasileiro parecia que não iria acabar nunca, e nota-se a razão de tamanha preferência do consumidor: as portas se fecham com perfeição, o isolamento acústico é excelente (apesar do motor a ar ser naturalmente mais barulhento), não há ruídos na suspensão e o funcionamento do motor é redondo, além do excelente sistema de ventilação natural instalado no teto. Como eram veículos de trabalho, as Kombis costumavam ser usadas até a última gota e modelos mais antigos se tornaram bastante raros, principalmente nesse estado de conservação, passando a ser cobiçados inclusive por colecionadores estrangeiros. Felizmente, essa aí não deve sair de BH tão cedo...